O HOMEM, O ÍDOLO E O TESOUROPágina 1 / 2
Lá me lembra a mim fazer menção a Esopo, em uma Fábula sua, de certo Homem, que tinha em sua casa um Ídolo, alfaia de seus antepassados, os quais fizeram dele seu mealheiro, ou depósito do seu dinheiro; porque além de o terem ali mais escondido, cuidaram o tinham mais guardado, encomendado ao seu Deus. O Homem, herdeiro da casa e do Ídolo, não sabendo do Tesouro deu em pobreza, (como dão muitos herdeiros de grandes casas); e achando não ter outro meio mais eficaz pera se livrar da lazeira, que encomendar-se ao Deus, pois o tinha de casa, começou de lhe fazer suas novenas e preces: e pera ter mais efeito, ia-se ao campo todos os dias, e colhendo das flores e boninas, o enramava, e com mil capelas o laureava, e punha nas mãos ramalhetes, despois perfumes, etc. Continuou sua devoção per muitos dias; mas como o Deus era de pau tais tinha as respostas. A lazeira cada vez era maior, a bolsa mais magra, a fome mais viva; e quanto mais o apertavam as necessidades, mais deprecativas e brados multiplicava, e o Deus não lhe acudia. Ele um dia enfadado de tanto buscar de bonina, e fazer de ramalhetes sem proveito, deu-lhe a cólera e enviando-se ao Ídolo, lhe pegou per uma perna e deu com ele no chão: e como era já antigo e carunchoso, quebrou em pedaços: começam de se espalhar os dobrões e as moedas de caras, ouro velho e fino. Ele, que não cabia de contente, olha pera o Idolo, e diz-lhe:
– E assim vos quereis vós? Por bem zombastes de mim e por mal me acudistes; quisestes-vos por mal. – Vem a dizer isto, que há gente, que quanto mais a animais, e fazeis de bem, mais de pedra e mais de pau se faz: vindes a tratá-la como Deus, e não há fruta no mundo que não vá pera aquele Ídolo; as primícias, que são de Deus, ele as logra; não há cravo, nem bonina, que suas mãos e narizes não gozem; as cortesias e continências não têm número; mas pera vos fazer bem, é falar com um pau, ou com um Ídolo feito dele; tais como estes, espedaçá-los e maltratá-los, deitam alguma cousa.